Certa vez, no meu aniversário, acho que eu completava 25 anos, minha tia me disse ” Aproveite a vida, Paulinha. Porque depois o tempo passa e não dá pra fazer mais nada…”.
Ela faleceu em 2015, com 97 anos.
Ela se formou numa época em que poucas faziam isso, trabalhou e lecionou em colégios do Rio de Janeiro, passou a usar calças cumpridas numa época em que vestidos eram mais apropriados e se casou depois dos 50 anos porque ” Casar? Só por amor”, ela me confessou.
Aprendeu a dirigir e teve seu próprio carro quando isso era “coisa de homem”, e viajava com meu tio pelo Brasil pegando estradas – ela dirigindo, sempre. Ele ao seu lado, companheiro e apaixonado. Seu casamento, conta minha mãe, foi realizado em casa, com muita discrição e elegância. Antes de descer para encontrar com o noivo e convidados na sala, trajando um vestido aperolado e um pequeno arranjo de flores nas mãos, ela perguntou “ Será que estou fazendo a coisa certa? Não estou velha pra isso?” Claro que não. Casou e foi feliz dentro do tempo que dispuseram juntos. Deram almoços e jantares divinos. Meu tio cozinhava como poucos. Ficou viúva e seguiu só, morando sozinha em seu apartamento até partir do planeta, com a dignidade de sempre.
Um dia ela me perguntou “Você não vai ter filhos? Tem certeza?” E eu disse que não teria. Ela ponderou ” É verdade, hoje em dia as mulheres podem tudo, podem casar, descasar, casar de novo, podem até escolher ser ou não mães…acho que eu teria tido filhos. Ou não?”
Ela foi apenas uma mulher, assim como tantas outras, que ajudou em seu anonimato a quebrar tabus, expandir limites e tornar o mundo mais receptivo a mim e a tantas outras mulheres que assim como eu ainda sonham em andar com menos receios, menos cuidados, menos atenta a tantos avisos. Numa sociedade que enxergue a mulher como indivíduo e não como uma constante provocação ou algo a ser violado.
Minha tia usou um “Duas peças”, na praia de Copacabana, num dia se Sol. E dizia sempre para mim “A vida é feita de pequenas conquistas, Paulinha!”