Prosa

A melhor praia da minha vida

Recebi um convite. Minha amiga de infância faria 50 anos. O tempo passou. Que loucura. E na memória, lá de trás, veio a lembrança da melhor praia que “peguei” na minha vida.

Foi assim…

Final de tarde no Leme. O dia tinha sido de Sol, amigos chegando, outros saindo. Uma garotada de 14 e 15 anos. E entre um mate e outro, um biscoito Globo e um mergulho, o mar sobe, a água vem e as cangas mudam de lugar. Ninguém parecia se incomodar com nada, a conversa não parava, a brisa batia, o calor aquecia a pele, tudo fazia parte. Vida de praia, sem hora pra terminar. Alguns olhares pra cá, gestos e poses pra lá, e o dia foi seguindo a rota do descompromisso abençoado por Deus.

Duas adolescentes: eu e Ana Maria, minha amiga desde os nove anos de idade. Olha que lindo? Acho que tínhamos 14 anos, por aí. Não mais que isso. O Sol já se despedia e o céu mostrava todas as suas cores num daqueles espetáculos de tirar o fôlego. E nós duas começamos a brincar com a areia, em silêncio, cada qual no seu mundo, entregues à brisa, ao barulho das ondas. Não havia conversa, não havia assunto. Nem ninguém à volta. Éramos, naquele momento, somente Paulinha e Aninha soltas na praia a fazer companhia uma a outra, numa idade tão cheia de contradições, possibilidades e “experimentações”. Mas naquele momento, resolvemos, sem combinar, que iríamos viver aquele final de praia sem regras. Como meninas.

O mar escorria pela areia fria e recolhia suas ondas como uma renda branca e preguiçosa. E nós duas ali a compartilhar o que existia de mais breve e delicado naquele instante – a inocência da pouca idade que tínhamos, a leveza dos sonhos e a liberdade total, plena e irrestrita que a juventude extrema costuma oferecer em dias como aquele.

Me lembro que começamos a fazer castelos, tuneis na areia.  Quando dava vontade de correr, a gente corria. Vontade de se molhar, a gente se jogava no mar e furava algumas ondas. Pentear cabelo? Nem pensar! Daqui a pouco a gente iria cair na água de novo. Por favor, sem vaidades!

Na areia, sentadas fora da canga, sem modos, sem nos importar com a areia no biquíni e os cabelos salgados estávamos acima de definições. Por sinal, estávamos, naquela tarde no Leme, alheias a tudo e todos.  Nem aí pra nada! A praia foi esvaziando e nós fomos ficando, até que  “ Vamos embora?”. E fomos. Escurecia. Os pés sujos de areia nas Havainas, os cabelos desalinhados. Fomos sem horário, fomos porque quisemos ir, porque deu vontade.

Ali, eu e Aninha, naquele final de tarde, experimentamos um desses raros instantes suspensos e plenos de liberdade, felicidade e simplicidade. Sem responsabilidades, sem expectativas. Nada.

A universidade e o mercado de trabalho nos engoliriam anos mais tarde e com ele a saga dos currículos, as escolhas profissionais, afetivas, responsabilidades, cobranças vindas de todos os lados, contas a pagar, férias programadas, e tudo que a vida nos oferece – e tira.  Aninha e Paulinha foram se distanciando daquela dia de praia e foram para o “mundo dos adultos” que respondem por si e declaram impostos a Receita.

Um dia, anos depois ao conversar com ela, tive uma grata surpresa –  aquele final de praia no Leme também ocupava em sua memória o mesmo frescor intocável. O mesmo encanto simples e feliz.

E combinamos de marcar uma outra praia sem fim. Nada de bolsas com muita tralha, apenas o essencial. A praia ainda não “aconteceu”. Mas a memória compartilhada da melhor praia da minha vida  pode ser acessada por nós duas sem auxílio de senhas, “nuvens” e login.

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