Uma jornada de trabalho é pontuada por vários cafés. Expresso é o café que peço nos dias que poderiam ser mais curtos, mas as horas cedem à burocracia dos ponteiros que passam, duas vezes, pelos mesmos pontos do relógio. Analógico, claro.
Assim, meia-noite vira meio-dia, 6h vira 18h, e eu me lembrei de minha mãe me ensinando a ver as horas. E naquele tempo, qualquer relógio virava aula. Então, chegaram os digitais e eu pensei que tudo ficaria muito mais fácil. Bobagem. Sempre optei por relógios analógicos, com ponteiros que me apontassem mais do que as horas. Saídas. Rotas de fuga.
Tempo para mim é um objeto que deve ser redondo. Assim como relógios de pulso. Redondos. Sempre. O mundo é redondo. E relógios devem ser simples, apenas relógios. Essa regra também vale para celulares e similares que sempre oferecem muito mais do que preciso: ligar, receber, pegar recados e ver mensagens e horas. Seria perfeito. Mas agora pago contas, faço parte de grupos, tudo pelo celular. A humanidade sabe criar infernos.
São em momentos assim que fumantes ganham de não fumantes. Se eu fumasse, levantaria da cadeira em que estou sentada e daria uns tragos perto de alguma porta de saída da sala e voltaria ao teclado, de frente pro monitor. Quem não fuma, em dias assim, sofre mais, pois não tem a companhia da fumaça para distrair o pensamento. Então, toma-se café, mais café, na tentativa de driblar o tempo que não passa. Todo trabalho tem seus dias mortos. Eu sempre preferi os agitados, com muita gente e entregas apressadas. Animam a vida.
Dia longo que não passa. É o quarto expresso que tomo e nem vestígios do fim.
O período de “um dia”, depois que se começa a trabalhar e pagar as contas, é contabilizado muito mais pelas tarefas e jobs finalizados do que pelo passar dos minutos. E nessa estranha regra, o escurecer e o clarear do céu contam muito pouco. Aqui, por exemplo, não há janelas. Às vezes chove, venta, o tempo muda e eu nem percebo. E como um habitante de outro planeta pergunto quando saio da empresa: “Choveu?”.
E o dia termina sem que tivesse tempo de olhar o céu e percebo pela rua molhada e pela água empoçada, a quantidade de chuva que deve ter caído, e pelas pessoas apressadas, intuo se a possibilidade de chuva ainda é uma ameaça ou elas correm apenas por hábito ou pela necessidade de voltar para casa, antes que os ponteiros se adiantem e marquem o fim de mais um dia – sem ter muito o que contar para a noite.