1995. Eu tinha vinte e poucos anos e vivia meu primeiro mochilão pelo Velho Mundo. Naquele ano, a Europa celebrava os 50 anos do fim da Segunda Guerra Mundial , e tudo parecia ser um registro vivo e histórico daquele período sombrio, de 1939 a 1945.
De tudo o que vi e retive em mim até hoje, trago uma lembrança sutil, talvez a minha reverência simples ao sofrimento de todos aqueles que foram massacrados e exterminados pelo nazismo – as flores que guardei do Campo de Concentração de Sachsenhausen – e que trago comigo até hoje.
Era julho. O Verão estava intenso. Eu e meu namorado decidimos que iríamos conhecer um campo de concentração. Que não poderíamos seguir viagem sem viver essa experiência que sintetizou o horror da Segunda Guerra. Uma decisão nada fácil. Até que o amigo que nos hospedava em Berlim sugeriu Sachsenhausen, mais próximo do que Dachau. Perguntamos se ele já havia ido. Ele disse que não, que não se sentia à vontade de ir, talvez por ser alemão, esse passado tão próximo e triste lhe gerava um incomodo difícil de expressar. Claro que nós entendemos, e fomos sozinhos.
Mas eu não estava preparada para ver o que encontrei. Ao atravessar o portão principal, as dimensões eram muito maiores do que conhecia por fotos, filmes ou relatos. Os galpões enfileirados, a chaminé da câmera de gás, as salas onde eram realizados experimentos com crianças e fetos, as fotos e os registros nas exposições internas que tivemos a oportunidade de ver em função da data, tudo aquilo era um cenário de horror, muito pior, muito maior do que eu estava preparada para ver.
Andamos sem pressa e silenciosamente pelo Campo. É muito estranho pisar numa terra assim. Cada um foi para um lado. Vimos as cercas de arames farpados, as torres de controle, agora vazias, e por muitas vezes eu tive de me lembrar que não estava num cenário. Aquilo era real. Havia poucos turistas. O silêncio era oco. Havia uma brisa que tentava atenuar o peso daquele lugar, mas não conseguia. Mesmo com todo azul do céu sobre nossas cabeças, ali era um local difícil e de extrema dureza. Tudo tinha um peso difícil de suportar.
Até que reparei que sobre a vastidão daquele campo, havia surgido uma grama amarelada, talvez seca pelo calor que fazia, com pequenas flores, bem miudinhas. Elas cobriam quase toda a extensão plana e sem construções.
Eu me perguntei como ali ainda poderiam nascer flores? A natureza sempre me surpreende. Abaixei e peguei um ramo de flores para mim.
Para que elas sempre me lembrassem de todos os que perderam suas vidas sem motivo, por todos que tiveram seus sonhos amputados, para que jamais eu compactuasse com algo igual ou pior. Eu abri minha mochila e guardei as flores no fundo da caixa de lápis pastel que levava para todos os lugares, entre duas folhas do meu caderno de viagem.
Essas flores secas estão guardadas até hoje na mesma caixa.
E elas sempre me lembram o dia em que visitei o inferno.
Essas são as flores de Sachsenhausen.
(27 de abril, Dia Internacional das Vítimas do Holocausto)