Prosa

Separação e Alecrim

Naqueles dias tudo ficou muito estranho. Separação corrói de forma diferente. Não é cupim, não é serrote, é uma forma diminuta de constatar sonhos e planos carcomidos por dentro. E não há receita.

Separar é ato solitário, quase um protesto contra ao que se foi e a favor de algo que ainda não veio. E bate medo, dúvida, saudade, insegurança, uma solidão que não há outra nesse mundo. Um saco sem fundo, um universo suspenso no ar. Foi nessa época que eu mesma cortei minha franja. Para ver se mudada diante do espelho, me sentiria renovada. Sem passado e repleta de futuros interessantes. Um visual novo para espantar tanta tristeza e afogar as mágoas. Como se ao cortar os cabelos, também cortasse as testemunhas daqueles dias difíceis e me enxergasse inteira, afoita e outra.

Depois de dias tosei, eu mesma, o cabelo todo. Curtinho. E me acharam “moderna”. Moderna nada, meu senhor. Isso é o relato silencioso de uma enorme dor. Mudar faz bem. Inferno de dor que exige constância, tempo e fé. Porque passa, como tudo na vida, um dia se acorda em casa e o passado, muito organizado com o que lhe devido, já se incumbiu de arrumar tudo que lhe pertencia numa mala grande, para colocar na parte de cima do armário. Para que fique bem claro o que é para ser usado “hoje”, e o que agora pertence a “ontem”.

 Os tais guardados que todo mundo tem em algum canto da casa. Até o dia em que se joga fora. Acontece a “limpeza” e as despedidas das caixas. Rasga-se papeis, documentos, fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim nunca usadas, fotos – isso é um capítulo à parte – e separa-se outro tanto para “passar adiante” e o ritual se faz completo. Não para a chegada de outro alguém, mas para que a vida fique mais leve, sem tantos guardados, sem tantas caixas, sem tantas lembranças, gavetas, envelopes e cartas. Carregar o que couber na alma fica mais leve. Desde então, levo no celular o que me pertence: as fotos mais recentes e a sensação de mais espaço interno disponível.

Vou Comecei a fazer alguns planos, como comprar uma mala prática e compacta para viajar pelo mundo. Planos bons começam com passados organizados na cabeça e no coração. Passaporte é coisa que se tira fácil. Férias em algum lugar novo. E a vida volta a sorrir devagar. Toma-se café em outra padaria e novos lugares entram na rotina. Tudo vai tomando outra forma, outro jeito, outros perfumes. Ontem comecei a plantar Alecrim na varanda. Disseram que é bom. Também achei. E assim, a coisa vai. Dia após dia. E de uma pessoa separada, viramos uma pessoa que mora sozinha, casa apropriada e novas manias. Tudo com cara de novo.

Separar não é fácil, mas traz por outro lado muita coisa adormecida e boa. Assim como tudo nesse mundo, saber interpretar a vida não é coisa de “gente letrada”, é coisa para “gente vivida”. Gente que não tem medo de mudar, tentar e se ofertar a própria sorte para escolher novos rumos ao que até “aquele dia” parecia tão certo e apropriado, feliz e acolhedor, mas por algum motivo mudou – e exigiu mudanças – por dentro e por fora.

Separar não é fácil, assumir o rumo das próprias mudanças é mais difícil ainda. Mas no final, tudo dá certo. E se planta Alecrim, muda-se a marca do café…é assim mesmo. Aos pouquinhos e em frente, e sempre. A vida nasce e morre aos poucos. É assim que tudo acontece.

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